domingo, 7 de outubro de 2012

You save me

     Rostos maquiados. Corpos artificiais. Almas vazias e sentimentos mascarados. Um eterno carnaval onde as fantasias são permanentes e a festa, eterna. Muito sorriso pra pouco dente. O motivo é supérfluo, o encantamento é lúdico, e o amor, simbólico. Amizade é negligência e as aparências mostram o que deve ser visto, sempre defendendo o status quo. Mecanicamente falando, é a perfeição in vitro ao alcance de todos os (in)felizes.
     Gestos milimetricamente programados para agradar. Sorriso branco tatuado, voz baixa e olhar sereno. De paisagem, eu diria. Covinha no queixo, cabelos bagunçados demonstrando seu jeito despojado de não ser. E não era. Bem vestido, perfumado e barba feita, tudo tão correto, tão perfeito e tão bonito... E eu havia me apaixonado por um homem de lata.
    Não, ele não era capaz de me salvar. Seus gestos mecânicos condiziam com a selva de pedra em que vivíamos, e eu só queria alguém de verdade para que pudéssemos dar o fora. Mas quem deveria dar fora era eu, eu era carne, osso, sangue e emoção demais para todo aquele concreto. Mas esse é o preço que se paga por ser quem se é de fato, não? Talvez.
     Não era amor, era uma espécie de placebo sentimental ao qual eu estava condicionada. Mas sim, eu o amava, só que o que ele podia me dar era menos que eu queria e mais até do que ele esperava. Aquele sentimento despejado a conta gotas e aqueles gestos beirando à perfeição eram tão metódicos que eu só queria que ele não seguisse um roteiro, assim seria mais natural. Mas não. Ele tentava, ele se esforçava, mas não conseguia curar todo aquele bloqueio interno, e ele acaba por sistematizar suas emoções, sua vida. E a nós. Ele me buscava aos sábados, me encontrava 1h, acordava às 6h, me ligava às 9h. E eu só queria um pouco de aleatoriedade em meio àquilo tudo.
   Mas ele era mecânico demais. Eu gostava de sorrisos e cosquinha, ele tinha medo de me machucar. Eu gostava de carinho e pernas entrelaçadas, ele preferia mensagens de texto antes de dormir, eu gostava de beijos e caminhadas na chuva, ele só queria me proteger. E de tanto se prender ao certo, ele acabou errando. Pelo menos comigo.
   Ele pensava demais. Parecia que dentro de sua cabeça as engrenagens haviam se enrolado, talvez o cerebelo estivesse enferrujado e os parafusos sentimentais já não se encaixassem mais. E mesmo confuso, eu só queria que ele cansasse de ser perfeitamente encaixável e passasse a ser ele mesmo. Que deixasse a emoção transpassar a razão. Aquela sistematização toda me cansava, era tão... Comum. E eu só queria que ele fosse diferente. Talvez eu quisesse demais, talvez eu quisesse que ele fosse igual a mim. E que fosse totalmente meu. Mas, sinceramente, ele nem pertencia à si mesmo... Ele era o que a vida quis.
   Até hoje eu não sei se ele tem um coração. E se seu coração tem artérias ou apenas fios cheios de nós. E confusões. E resquícios enferrujados do que um dia foi um amor. Mas eu torço para que meu homem de lata se torne de carne e osso e que se encontre e não se perca jamais. E que seu coração não vá parar num ferro velho junto com tantos outro corações que se deixaram perder nessa selva de concreto chamada rotina.

"And you're patient, love, and you help me help myself, and you save me..."

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