sábado, 25 de dezembro de 2010

A falta que a falta faz

   Lidar com perdas. Acho que ninguém é muito bom com isso, mas são coisas que com o tempo a gente aprende a conviver. Perdas nunca são coisas queridas e esperadas, e quando elas acontecem, a única saída é ser forte e aceitar.
   Eu deveria ter uns 9 anos, brincando de Suzy babá e meu avô perguntando como era... Eu mostrando os filhinhos dela, explicando a ele como era, como fazia. E era assim todos os anos, ele me enchia de presentes no Natal e me enchia de carinho e atenção. Tudo do jeitinho dele, sempre tão doce e atencioso, jeito esse que nunca tive do que reclamar. Eu tinha o melhor avô do mundo, que não tinha obrigação de ser meu avô, quanto mais o melhor. Ele não era avô de sangue, mas com 2 anos de idade eu o adotei, e garanto que fui a neta mais feliz que poderia existir. Além de ser agraciada como única e exclusiva neta.
   Era janeiro, chovia, e eu via tv com o meu pai. Umas 23h e pouca o telefone tocou e meu pai pulou para atender, e pelas suas feições, eu entendi o que aconteceu, mas não quis acreditar... Até que ele veio até a mim e disse o que aconteceu. Como assim, meu avô faleceu? Meu avô, sempre tão imortal, com suas tiradas "se um dia eu morrer...", me fez crer que seria imortal. Sempre tão ativo, tão simpático, tão meu, não poderia ter partido. Mas sim, ele se fora, e sem ao menos me dizer 'tchau'. No final do ano anterior eu quis por que quis vê-lo, depois quis vê-lo no hospital, mas não consegui. E como das muitas vezes em que ele tinha estado doente, achei que voltaria inteiro e sorridente para mim, como sempre. Mas dessa vez foi diferente.
   Foi a minha primeira perda. Acho que nunca recebi um golpe tão forte e tão intenso, acho que nunca nada doeu tanto, nunca arrancaram algo tão precioso de mim. Nunca, uma noite fora tão mal dormida, acordar nunca fora tão triste e rever minha família fora tão pesaroso. Mas fui me despedir da matéria que ele habitara por mais de 80 anos, e me despedir, nunca foi tão ruim.
   Mudar de escola me parecia ruim. Pessoas estranhas, lugares estranhos, novos amigos? Não me pareciam amigáveis. No entanto, pessoas foram falando comigo, fui me apegando, e finalmente fiz amigos. Pessoas que se importavam, que cuidavam, que simplesmente era minhas amigas sem ao menos eu pedir nada. E aquele menino que se aproximou, sempre tão prestativo, sempre tão engraçado, sempre tão cuidadoso... Sim, era meu amigo. Um dos primeiros, naquele lugar que no futuro guardaria algumas das melhores lembranças da minha vida.
   Ele era especial. Era chato, implicante, mas quando abria aquele sorriso e me chamava de "coração", eu sabia que tinha com quem contar. Vinha bater na minha porta por tudo e por nada, dividia chocolate na páscoa, me buscava nos lugares, confiava em mim. Apanhou para abandonar a timidez e correr atrás de seus objetivos, nesse caso, sua primeira namorada. E de mim ele sabia tudo... E no ano novo, me ligava, dia primeiro, me acordava, pedia dinheiro, me mordia, me chamava de boneca e apertava minha barriga dizendo "mamãe". Era bobo e tinha sonhos como todos os meninos da nossa idade, mas vivia mais intensamente do que a maioria, tinha mais dificuldades do que a maioria, mas muitas vezes me fez sorrir mais que a maioria. E por mais que às vezes nos afastássemos, eu sabia que ele me amava e que me apoiaria sempre, ele prometeu várias vezes, e, bêbado ou não, declarou amizade eterna na nossa formatura. E sim, nós vamos cumprir.
   E eu deveria ter atendido o portão a tempo. Eu deveria ter ido ao hospital. Eu deveria ter feito tanta coisa diferente... Mas não fiz. E tão cedo se fora de mim, assim como chegou de forma efusiva, se fora causando agitação. Mas não aquela agitação gostosa de quando íamos à inúmeras festas, que dançávamos e comemorávamos. Eu não teria mais o seu abraço, seus cuidados e preocupação. Eu não ouviria mais o seu "até mais coração, tô indo pra casa do meu pai". Ficaria presa às lembranças e a tudo de bom que deixou guardado em mim.
   E foi assim, que aos 18 anos, percebi o que era perder. Sinceramente? Perder uma carteira, um carro, uma casa, uma aposta, não chega aos pés do que é perder alguém que se ama. Por que o resto a gente repõe, amor e presença, não. Não se pode mais pegar o telefone para ouvir a voz, não se pode mais abraçar e perguntar como foi o dia, a presença material se foi. A saudade aumenta e perpetua, a força tem que aumentar, enfim, as coisas mudam, e acostuma-se com uma nova vida. 
   Primeiro, há a fase de não-aceitação. Você se recusa a acreditar, a perceber, a aceitar. Depois aceita-se, mas a tristeza permanece. É a fase do luto, da dor, a fase em que as lembranças vêm lhe visitar. E após viver toda essa atmosfera pesarosa, retoma-se a vida, porque ela continua, não só por você, mas por quem você perdeu. Você sabe que deve isso a ela.
   Nunca vou esquecê-los. Impossível esquecer quem fez parte da sua vida, quem te fez quem você é. Mas despeço-me de tudo que passou e me abro à novas experiências, eu devo isso a eles, devo isso a nós.

Eu os amo e amarei eternamente.

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